Eu tenho problemas bastantes específicos que me impede de escrever (afirmo no presente pois eles continuam aqui, mas aprendi a dominá-los). Curiosamente, nenhum destes problemas é a falta de ideias. Pelo contrário, eu tenho ideias até demais! As minhas travas são outras.
A primeira das minhas travas é desistir antes de começar. Basta eu abrir o editor e pensar em começar a escrever para que me venha um sentimento de cansaço, uma voz que grita “isso vai dar muito trabalho, não vale a pena, deixa isso pra lá”. E eu deixo pra lá. E destaco: não é me cansar por escrever, é o pensamento de que vou ficar cansado. Nas minhas reflexões, penso que há uma conexão com o fato de estar constantemente exausto pelo trabalho ordinário do dia-a-dia, assim os tempo que sobra no dia acabo destinando a descansar sem fazer nada.
Outro bloqueio é por não ter toda a história estruturada na cabeça. Uma pré-concepção minha é que de antemão eu, escritor, já deveria ter todo o roteiro delineado na cabeça, de modo que a escrita seria um ato mecânico para transcrever a história. E como em 99,99% das vezes eu só tinha uma fagulha de história, também deixava a escrita pra lá.
Por fim, uma trava por considerar que eu preciso ter um estilo definido, e não devo desviar dele. Sou um escritor de contos? De romance? De poesia? Humor, ficção ou cotidiano? E por não considerar que eu me enquadro em um estilo/gênero/perfil, tudo isso gera mais conflito, mais hesitação em escrever.
Nem sempre foi assim
Eu sempre gostei de escrever. Na juventude eu era um ávido leitor e escritor. Participava de concursos de literatura, escrevia letras de música, poesias, crônicas, fichas de leitura de livros. Produzia muito material. Inclusive na vida adulta, no aspecto profissional, me considero alguém com apreço por produzir conteúdo, contar histórias, sou realmente bom nisso.
Mas aí, subitamente, todo esse entusiasmo, esta produtividade, se esvaiu. Como que da noite para o dia, eu me tornei incapaz de escrever meus conteúdos (por meus quero dizer pessoais, para mim, em oposição ao conteúdo para os outros, para o trabalho).
E não que eu tenha ficado indiferente à situação. Tentei coaching, meditação, autoanálise, etc, etc. Queria achar a razão do bloqueio e, por consequência, o remédio para tal. Não conseguia. E isso me frustrou absurdamente.
Porém, ainda possuía a inquietação, a necessidade quase que física de escrever. Eu precisava continuar tentando retomar este hábito.
A virada
Então, como (re)começar a escrever? O que eu poderia tentar desta vez?
Tem coisas que a gente não explica racionalmente, simplesmente acontecem. Em algum momento, me deu um click de que deveria focar menos no problema e mais na solução. Me dei conta que tem muita gente boa que escreve muito bem. Decidi aprender com estas pessoas, entender como elas conseguem produzir, qual o segredo ou o hack. E aí, talvez, quem sabe, eu encontraria as respostas que eu buscava: o meu jeito de escrever.
Assim, com o compromisso renovado, realizei aquela ação que eu julgo a mais importante da minha vida nestes últimos tempos: participei da oficina de escrita do JP Cuenca.
Não é exagero, não é puxação de saco, não é publi: a experiência da oficina, para mim, foi transformadora: existe o André de antes e o André depois da oficina. Foi uma vivência breve, mas poderosa. (não vou descrever, mas fica a recomendação para quem se interessar!)
A partir daí, nesta jornada em busca do meu processo criativo, tudo passou a fazer sentido. Criei e descobri minhas próprias regras, encontrei o fio da minha meada.
Os (meus) mandamentos da escrita
Ao longo do mês de janeiro, comecei a escrever, escrever e escrever. A chave que havia sido virada, passou a energizar as ideias e a materializar linhas e mais linhas aqui no Substack.
Hoje, paro para fazer esta retrospectiva e botar no papel meus aprendizados. Eu não tenho a menor dúvida que outras lições se farão conhecidas daqui a um tempo, mas neste momento, hoje, eu deixo registrados os meus mandamentos da escrita.
1. Aceitarás o teu processo de criar
Às vezes a ideia irá surgir e evolui de forma arrebatadora, às vezes ela irá se apresentar de maneira tímida, exigindo cortejo e paparico até se desenrolar. E também haverá o dia em que tudo vai fervilhar na cabeça, gerando uma avalanche desenfreada de parágrafos e fragmentos no editor, mas também haverá aquele dia onde o começo-meio-fim seguirá uma ordem quase que sacramental.
Aprendi que toda ideia é válida. Aprendi a acolher e reconhecer estas diferentes vias como parte natural do meu processo criativo.
2. Aceitarás o teu modo de pensar
Se hoje a vontade for escrever sobre banalidades, escreva. Se bater o desejo de falar de amor, escreva. Uma história de suspense ou terror? Escreva, escreva, escreva. Texto curto, texto longo; texto de opinião ou texto de relato; prosa e poesia. Escreva, escreva, escreva.
Aprendi a dar vazão a todos estes mil escritores que coabitam em mim. Aprendi a experimentar e libertar os estilos, modos, gêneros. Aprendi a não me prender ou limitar por alguma norma, forma ou regra. Se for ver, elas são convenções arbitrárias que foram jogadas aí por alguém.
3. Elevarás teu espírito à escrita
O momento de escrever requer clima para escrever. É preciso que o entorno favoreça a escrita, te coloque quase em um estado de transe hipnótico.
Este mood vai variar de pessoa para pessoa (e o Cuenca ensina a encontrá-lo). Para mim, o que funciona é o lo-fi tocando no fone de ouvido, dente escovado, ambiente fresquinho, sentado confortavelmente e imerso em mim mesmo. E quando quero cumprir alguma meta ou dar um gás na produtividade, sigo um Pomodoro 25-5.
4. Não julgarás a tua escrita
Não há história pronta desde o início, não há história que viva só na cabeça do escritor. Para escrever, é preciso começar e despir-se de julgamentos e críticas limitantes.
É como aquele poema de Antonio Machado:
caminante, no hay camino:
se hace camino al andar.
Aprendi que a história nutre-se de si mesma. O texto vai surgindo e cada pedaço leva ao próximo, que leva ao próximo, e assim vai se desenrolando. Tirar o texto do repouso e colocá-lo em movimento requer o maior dos esforços, mas este momentum vai dar conta de levá-lo até a conclusão.
5. Amarás cada ideia
Tudo pode gerar uma história. Um pensamento, uma epifania ou uma opinião. Um fato, uma notícia ou uma coincidência. Tudo pode ser escrito. Seja espontânea ou imposta, toda ideia pode ser explorada.
Aprendi a deixar o radar ligado e captar estes sinais em meio aos inúmeros ruídos que inundam nossos sentidos. Anoto no bloquinho, com carinho, e depois transformo a ideia em texto.
E daqui para frente, como vai ser?
Os mandamentos são apenas uma pequena brincadeira, mas os aprendizados são verdadeiros e, graças a eles, estas últimas semanas tem sido bastante gratificantes. Posso dizer que estou em um ciclo virtuoso, tendo encontrado uma dinâmica de ideia-escrita-recompensa que tem perpetuado a minha motivação e desejo de escrever.
Aqui no Substack estou dando vazão ao ímpeto de escrever. Criei várias publicações para acomodar os meus diferentes “eus”, onde cultivo os diferentes estilos e mais variados temas. E se surgir uma ideia que requeira uma nova caixinha, irei acolher tranquilamente, estando em paz com o meu jeito de me expressar.
Além disso, talvez possa acrescentar algumas outras dicas que tenho levado em consideração: escrever para satisfazer a mim (e não para agradar alguém), não me levar tão a sério (a vida é curta demais para isso…), e não objetivar reconhecimento (escreva como se todos fossem ler, mas espere que ninguém o faça.).
Seja de uma maneira, ou de outra: escreva. Não existe história só na cabeça, a história vive no papel.